quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Lunática com muito orgulho

Gaiatos e Gaianos





Ontem meu marido me contou um diálogo rápido que teve com duas colegas de trabalho. Elas estavam comentando sobre um filme que entrou em cartaz esta semana em São Paulo, depois falaram sobre uma notícia que haviam lido num grande jornal. Ele, em ambos os casos, não sabia das novidades, mas não se deixou abalar pelo leve olhar de reprovação das amigas e, então, perguntou a elas: “Vocês sabem me dizer em que fase da Lua estamos?” Era noite de segunda-feira, Lua cheia, linda. E elas não tinham reparado...

Esse tipo de situação me faz refletir sobre nossa noção de conhecimento, de pessoa bem informada. Não estou pregando a alienação do mundo, muito longe disso (ou teria escolhido outra profissão), mas acho que mais importante do que saber o nome da última celebridade desconhecida que caiu fora do reality-show-sem-graça é estar ligado nos ciclos naturais, que nos guiam em nossa ecologia interna (sim, isso existe). Há uma troca, uma interdependência que pode ser muito saudável. Ter vontade de se recolher nos dias de chuva ou se sentir mais ativo num dia ensolarado é sinal de saúde, não uma desculpa para tomar uma pílula pasteurizadora de humores...

Diz o dicionário Aurélio que lunático é aquele que está sob a influência da Lua. Não sei não, mas acho que, colocado dessa forma, o termo tem uma conotação pejorativa, quase um jeito torto de dizer que certa pessoa anda meio desligada do mundo ou ligada demais em seus instintos, aluada, amalucada... Prefiro pensar que todos nós estamos sujeitos às mudanças da Lua, especialmente as mulheres - por conta do ciclo menstrual, talvez, que coincide (ou deveria coincidir, no equilíbrio) com o tempo que nosso satélite leva para completar uma volta em torno do eixo da Terra. Não por acaso, dias de mudança de lua costumam ser os mais concorridos nas maternidades...

Aceitar que somos parte da natureza é o primeiro passo para nos tornarmos mais afinados com as necessidades do planeta. Viver em ambientes herméticos, em que a luz artificial e o ar-condicionado nos fazem esquecer a passagem do tempo, ao contrário, mantém-nos distantes de acontecimentos importantes: um vento que anuncia uma queda brusca de temperatura; nuvens escuras, arauto das tempestades.

Em tempos de mudanças climáticas, parece-se importante estar atento ao que ocorre ao nosso redor. Por que dias tão quentes no inverno paulista ou secos ao extremo no Planalto Central? O que isso tem a ver comigo e de que maneira isso interfere no meu estado de espírito? E se nada disso me influencia, o que isso significa? Perguntar, questionar, filosofar sobre temas relacionados ao clima, aos astros, às estações do ano, enfim, eram atos comuns na maioria das civilizações antigas. Mas eis que a humanidade atingiu o ápice da vaidade e da soberba, e disse a si mesma que reina sobre a natureza, amiga que é da Ciência...

Seria tão melhor se pudéssemos caminhar ao encontro da natureza e não na direção oposta... Haveria tempo para um verbo que adoro: contemplar. Na permacultura, um dos princípios passa exatamente por aí, de uma forma mais pragmática, é verdade:observar e interagir. Por isso, resolvi compartilhar com você algo que recebi como um presente. Sábado passado eu estava na minha casa na ecovila com uns amigos, quando, de repente, fomos arrebatados pelo nascer da Lua cheia, que nos banhou com uma beleza que Caetano chamaria de estonteante... Graças aos vidros usados que instalamos na parede principal da sala (foto), pudemos ver, de dentro da casa, a Lua em seu estado pleno de luz, em ascendência tão rápida que parecia ter pressa de ser vista por todos. Tão simples, tão inominável. 





Referência: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/gaiatos/lunatica-muito-orgulho-298859_post.shtml
texto: Giuliana Capello

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sobre a Dádiva - Livro O Profeta


Sobre a Dádiva


Depois um homem rico disse, Fala-nos da Dádiva.
E ele respondeu:
Dais muito pouco quando estais a dar o que vos pertence.
Só quando vos dais a vós próprios é que estais verdadeiramente a dar.
Pois o que são as vossas pertenças senão aquilo que guardais com medo de
necessitar amanhã?
E amanhã, que trará o amanhã ao cão prudente que vai enterrando ossos na
areia sem marcas enquanto segue os peregrines até à cidade santa?
E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?
Não é o receio da sede que sentis quando o vosso poço está cheio, da sede
insaciável?
Há aqueles que dão pouco do muito que têm, e fazem-no para conseguirem
reconhecimento e o seu desejo oculto torna as suas dádivas sem valor.
E há aqueles que, tendo pouco, tudo dão.
Esses são os que acreditam na vida e na magnificência da vida e o seu cofre
nunca está vazio.
Há aqueles que dão com alegria, e essa alegria é a sua recompensa.
E há aqueles que dão com dor e essa dor é o seu baptismo.


E há aqueles que dão e não conhecem a dor ao dar, nem procuram alegria,
nem dão para se sentirem virtuosos;
Dão, tal como no vale a murta exala o seu perfume para o espaço.
E através das mãos desses que Deus fala, e por detrás dos seus olhos que Ele
sorri para a terra.
É bom dar quando vos é pedido, mas é melhor dar se vos pedirem só através
da compreensão;
E para o que tem as mãos abertas a busca daquele que vai receber é uma
alegria maior do que dar.
E que podereis conservar?
Tudo o que possuís será um dia dado.
Por isso dai agora, agora que a época da dádiva pode ser vossa e não dos
vossos herdeiros.
Dizeis muitas vezes "Eu daria, mas só a quem o merecesse".
As árvores do vosso pomar não dizem isso, nem os rebanhos nas pastagens.
Eles dão para poder viver, pois não dar é perecer.
Aquele que é merecedor das suas noites e dos seus dias é com certeza
merecedor de tudo.
E aquele que mereceu beber do oceano da vida merece encher a taça no
vosso ribeiro.
E que deserto maior haverá do que aquele que assenta na coragem e na
confiança de receber?
E quem sois vós para que os homens se desnudem e exponham o seu orgulho,
para que os possais ver nus e com o orgulho a descoberto?
Certificai-vos primeiro de que sois dignos de dar e de ser instrumento da
dádiva.


Pois, na verdade, é a vida que dá à vida, enquanto vós, que vos considerais
dadores, não passais de testemunhas.
E vós, os que recebeis – e todos recebeis – não carregueis o fardo da gratidão,
pois estareis a colocar um jugo sobre vós e sobre aquele que dá.
Erguei-vos antes juntamente com o que dá, sobre essas dádivas como se elas
fossem asas;
Porque ter demasiada consciência da vossa dívida é duvidar da generosidade
daquele que tem a terra de coração livre como mãe e Deus como pai.

Aurora Boreal - Uma da mais lindas dadiva de Deus

Texto tirado do livro O Profeta de Kallil Gibran